quinta-feira, 17 de março de 2011

Discurso no funeral de Marx



Engels à época do discurso
No dia 14 de março de 1883, há 128 anos, o grande pensador do Materialismo Histórico falecia, deixando órfãos os seus seguidores.
De lá para cá, suas teorias passaram por bons e maus momentos. O pior deles, sem dúvida, a “mecanização” teórica imposta pelo regime soviético a partir de Stalin – e sua controversa teoria da “construção do socialismo em um só país” (1) – que transformou o pensamento de Marx numa “cartilha” infantil, idiotizada e, por incrível que pareça: inflexível (2).
Mas houve bons e importantes instantes como os do “Movimento Espartaquista” na Alemanha, o da própria “Revolução Russa” (3), até o momento em que Stalin a enterrou, o da “Escola de Frankfurt” ou das teses de Leon Trotsky em oposição ao ditador “fascista” da URSS.
Fundador da esquerda moderna, Marx foi condenado ao “esquecimento” algumas vezes, mas as infindáveis crises do capitalismo sempre renovam o interesse pela sua obra.
O texto do discurso de Engels foi copiado do “MIA – Marxist Internet Arquive” (4).

Friedrich Engels pronunciou as palavras abaixo no dia 18 de março de 1883:

“Em 14 de março, quando faltavam 15 minutos para as 3 horas da tarde, deixou de pensar o maior pensador do presente. Ficou sozinho por escassos dois minutos, e sucedeu de encontramos ele em sua poltrona dormindo serenamente — dessa vez para sempre.
O que o proletariado militante da Europa e da América, o que a ciência histórica perdeu com a perda desse homem é impossível avaliar. Logo se evidenciara a lacuna que a morte desse formidável espírito abriu.
Assim como Darwin em relação à lei do desenvolvimento dos organismos naturais, descobriu Marx a lei do desenvolvimento da História humana: o simples fato, escondido sobre crescente manto ideológico, de que os homens reclamam antes de tudo comida, bebida, moradia e vestuário, antes de poderem praticar a política, ciência, arte, religião, etc.; que, portanto, a produção imediata de víveres e com isso o correspondente estágio econômico de um povo ou de uma época constitui o fundamento a partir do qual as instituições políticas, as instituições jurídicas, a arte e mesmo as noções religiosas do povo em questão se desenvolve, na ordem em elas devem ser explicadas – e não ao contrário como nós até então fazíamos.
Isso não é tudo. Marx descobriu também a lei específica que governa o presente modo de produção capitalista e a sociedade burguesa por ele imaginada. Com a descoberta da mais valia iluminaram-se subitamente esses problemas, enquanto que todas as investigações passadas, tanto dos economistas burgueses quanto dos críticos socialistas, perderam-se na obscuridade.
Duas descobertas tais deviam a uma vida bastar. Já é feliz aquele que faz somente uma delas. Mas em cada área isolada que Marx conduzia pesquisa, e estas pesquisas eram feitas em muitas áreas, nunca superficialmente, em cada área, inclusive na matemática, ele fez descobertas singulares.
Tal era o homem de ciência. Mas isso não era nem de perto a metade do homem. A ciência era para Marx um impulso histórico, uma força revolucionária. Por muito que ele podia ficar claramente contente com um novo conhecimento em alguma ciência teórica, cuja utilização prática talvez ainda não se revelasse – um tipo inteiramente diferente de contentamento ele experimentava, quando se tratava de um conhecimento que exercia imediatamente uma mudança na indústria, e no desenvolvimento histórica em geral. Assim por exemplo ele acompanhava meticulosamente os avanços de pesquisa na área de eletricidade, e recentemente ainda aquelas de Marc Deprez.
Pois Marx era antes de tudo revolucionário. Contribuir, de um ou outro modo, com a queda da sociedade capitalista e de suas instituições estatais, contribuir com a emancipação do moderno proletariado, que primeiramente devia tomar consciência de sua posição e de seus anseios, consciência das condições de sua emancipação – essa era sua verdadeira missão em vida. O conflito era seu elemento. E ele combateu com uma paixão, com uma obstinação, com um êxito, como poucos tiveram. Seu trabalho no Rheinische Zeitung (1842), no parisiense Vorwärts (1844), no Brüsseler Deutsche Zeitung (1847), no Neue Rheinische Zeitung (1848-9), no New York Tribune (1852-61) – junto com um grande volume de panfletos de luta, trabalho em organização de Paris, Bruxelas e Londres, e por fim a criação da grande Associação Internacional de Trabalhadores coroando o conjunto – em verdade, isso tudo era de novo um resultado que deixaria orgulhoso seu criador, ainda que não tivesse feito mais nada.
E por isso era Marx o mais odiado e mais caluniado homem de seu tempo. Governantes, absolutistas ou republicanos, exilavam-no. Burgueses, conservadores ou ultra democratas, competiam em caluniar-lhe. Ele desvencilhava-se de tudo isso como se fosse uma teia de aranha, ignorava, só respondia quando era máxima a necessidade. E ele faleceu reverenciado, amado, pranteado por milhões de companheiros trabalhadores revolucionários – das minas da Sibéria, em toda parte da Europa e América, até a Califórnia – e eu me atrevo a dizer: ainda que ele tenha tido vários adversários, dificilmente teve algum inimigo pessoal.
Seu nome atravessará os séculos, bem como sua obra!”

1. Segundo Marx, a nação é um conceito burguês. Para ele uma revolução proletária deveria ser internacional, como diz no Manifesto Comunista: “(...) As nações são um produto e uma forma inevitável da época burguesa do desenvolvimento social. A classe operária não pode fortalecer-se, amadurecer, formar-se, sem se ‘constituir a si mesma como nação’, sem ser ‘nacional’ (‘de modo nenhum no sentido da burguesia’). Ora, o desenvolvimento do capitalismo destrói cada vez mais as fronteiras nacionais (5), acaba com o isolamento nacional, substitui os antagonismos nacionais por antagonismos de classe. Por isso, nos países capitalistas desenvolvidos é perfeitamente verdadeiro que ‘os operários não teem pátria’ e que a ‘unidade de ação dos operários’, pelo menos dos países civilizados, ‘é uma das primeiras condições para sua libertação...”

2. A dialética, no raciocínio de Marx, propunha-se à flexibilidade e ao realismo frente a momentos históricos diferentes. A “momenklatura” soviética tentou transformá-lo em “anti dialético”, ao defender a permanência de Stalin “sine die” no poder.

3. Na verdade, Marx temia uma “revolução” na Rússia, segundo ele um país atrasado do ponto de vista da industrialização e essencialmente rural. É sabido que em uma de suas “cartas a Kugelman” (Ludwig Kugelman – 1828/1902) ele se referiu a isto.

4. Tive que fazer alguns ajustes na tradução do MIA devido a certos equívocos no original em português.

5. Karl Marx, muito antes de surgirem as multinacionais já previa uma internacionalização do capital, coisa que somente começaria a se materializar cerca de 30 anos após a sua morte.

8 comentários:

  1. Que beleza de discurso. Quando diz: 'O que o proletariado militante da Europa e da América, o que a ciência histórica perdeu com a perda desse homem é impossível avaliar.'
    E é uma verdade, pois apesar de outros marxistas que seguiram sua forma de pensar, acho que nenhum pensou tão gande como ele.
    Nas sua notas: 'Karl Marx, muito antes de surgirem as multinacionais já previa uma internacionalização do capital, coisa que somente começaria a se materializar cerca de 30 anos após a sua morte.'
    Foi um profeta da filosofia e da economia mundial.

    ResponderExcluir
  2. Realmente tens toda razão. Mas eu creio que fostes um pouco radical quanto aos seus seguidores não terem algum valor e profundidade.
    Certamente que na Rússia soviética não houve. Até porque a URSS está para aa ideias de Marx, como a Igreja Romana está para as de Cristo. Ou seja: assassinaram as ideias!
    Mas veja bem: Theodor Adorno, Antonio Gramsci ou Leon Trotsky para mim já são o suficiente. Mas se pensar um pouquinho veem Herbert Marcuse, Edmundo Moniz ou Mario Pedrosa (até para citar alguns brasileiros).

    ResponderExcluir
  3. De fato o Stalin estragou tudo foi um atraso de vida um retrocesso político uma besta quadrada e por aí afora deste jeito assim sem pontuação mesmo só para dizer que em, resumo ele foi um grandessíssimo filha da puta!

    ResponderExcluir
  4. Cê tem toda razão no que disse, amigo, mas errou o ponto da vírgula?

    ResponderExcluir
  5. Marx foi condenado não só ao “esquecimento”, mas também atacado demais.
    Por exemplo sempre falaram que vivia o dia inteiro sentado numa cadeira de um bar escrevendo ses textos maravilhosos.
    Vou passar a fazer isso, só que levando o laptop claro. Mas quem sabe os meus textos toram-se brilhantes, ou pelo menos tentam ser.
    Outra coisa foio a tal exploração de que ele foi atacado por piolhos na cabeça e na barba e teve que raspar tudo.
    E daí, esse teria que ser o comportamento de qualquer pessoa com o mesmo mal.
    L.P.

    ResponderExcluir
  6. Isso mesmo L.P.. Lembro de comentários sobre o "caso dos piolhos", que saiu numa biografia + ou - recente lançada por um estadunidense de quem não lembro o nome.
    Quanto a sentar num bar pra tomar um cervejinha, quem não faz isso de quando em vez? É saudável e abre as ideias. Marx provou isso!

    ResponderExcluir
  7. Esta foi igual aquela do Alkmin, o político mineiro e não este cafajeste que é prefeito de São Paulo.
    Mas conta a lenda que um dia num comício surgiu um cara para cumprimentá-lo, e disse ser filho de um velho amigo dele (o Alkmin).
    Daí ele perguntou:
    "E como vai seu pai?"
    Ao que sujeito, indignado retrucou:
    "Mas meu pai morreu!"
    E ele sacou a seguinte frase (histórica):
    "Morreu para você, filho ingrato... Pra mim, continua vivo no meu coração!"

    Mas, falando sério, em certo sentido realmente Marx não morreu. E nunca morrerá!

    ResponderExcluir